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LAUDA SANTOS, A MÃE RARA DOS RAROS DO BRASIL

 




 

Lauda Santos é uma mãe rara, que mesmo perdendo a filha para uma doença rara não abre mão de lutar pela causa dos raros do Brasil.

Ela é meu exemplo de luta e inspiração para seguir adiante.
É uma amiga querida e parceira de luta.Acho que ela desconhece a palavra “NÃO”, pois sua determinação faz com que siga sempre adiante mesmo quando escuta um NÃO. E certamente essa deve ser a palavra que mais tenha escutado ao longo de sua luta desde que Lais, sua filha, foi diagnosticada. A luta dela começou em 1992, um ano antes da minha. Taiga minha filha, foi diagnosticada com Cavernoma em junho de 1993. Acho que Lauda ilustra a história do “Sapo surdo”. Ele venceu a corrida porque era surdo e não ouviu todos dizerem que era incapaz. Assim é Lauda, se faz de surda para os NÃOS, e segue adiante.
Parabéns minha amiga querida, e muito obrigada por tudo que é e faz pelos raros do Brasil.

Selva Chaves Marcondes de Sousa

Acompanhe a matéria publicada originalmente pelo site R7

Quase 10 mil tipos foram identificados até agora." É cruel: elas demoram para ser diagnosticadas e, muitas vezes, toram cedo a vida do paciente. Precimas vencer a guerra da  desinformação"

RESUMINDO A NOTÍCIA

  • Oitenta por cento das doenças raras são de cunho genético.
  • Três em cada dez pacientes morrem até os 5 anos de idade.
  • Setenta e cinco por cento das doenças raras afetam crianças.
  • Brasil teria 13 milhões de pacientes, segundo pesquisa da Interfarma.

Cerca de 9.600 doenças raras foram identificadas até agora no mundo. Uma certeza: há muitas outras a descobrir. Das menos violentas às mais agressivas, ao menos uma delas afeta em torno de 13 milhões de brasileiros, atesta uma pesquisa da associação de estudos da indústria farmacêutica no país. A União Europeia teria entre 24 milhões e 26 milhões de pacientes, e o mundo, mais de 350 milhões.

 

Uma doença é considerada rara quando atinge até 65 pessoas em cada grupo de 100 mil. Ou 1,3 em cada 2.000, 6,5 em cada 10 mil ou ainda 13 em cada 20 mil. Individualmente, elas atingem grupos menores. Mas, como são muitas — 9.600 mapeadas, fora as até agora desconhecidas —, a soma dos pacientes com ao menos uma delas produz números relevantes

LAUDA SANTOS

 

Os números podem parecer exagerados, sobretudo quando termo em questão é raro, mas há explicação. Uma  doença é considerada rara quando atinge até 65 pessoas em cada grupo de 100 mil. Ou 1,3 em cada 2.000, 6,5 em cada 10 mil ou ainda 13 em cada 20 mil. Individualmente, tais doenças atingem grupos menores. Mas, como são muitas — 9.600 mapeadas, fora as até agora desconhecidas —, a soma dos pacientes com ao menos uma delas produz números relevantes.

Uma dessas doenças, a artrite reumatoide juvenil (ARJ), genética, hereditária, acompanhou desde o nascimento Laís Vargas, filha da ex-secretária-executiva Lauda Santos. Diagnosticada com ARJ aos 3 anos, Laís morreu aos 27, no dia 7 de abril de 2016, no destaque preciso e inesquecível, de dia, mês e ano, como costumam ser os de mãe. “Teria feito 34 anos agora, no dia 7 de março”, contabiliza Lauda, 65 anos, paulista de Franca radicada em Brasília, após um suspiro seguido de pausa.

A missão de ajudar pacientes e sua família foi assumida por Lauda Santos ainda em 1992, ano do diagnóstico de sua filha. Primeiro, aqueles com doenças reumáticas e, a partir de 2013, aqueles com problemas raros de maneira geral. Participa intensamente de trabalhos voluntários direcionados ao acolhimento dessas pessoas, com a indicação de rotinas, procedimentos e serviços de saúde especializados.

Lauda é presidente da Associação Maria Vitoria de Doenças Raras e Crônicas (Amaviraras) e cofundadora e vice-presidente da Federação Brasileira das Associações de Doenças Raras (Febrararas). Recentemente, ela e seu time inauguraram, na capital federal, o Espaço Mundo Raro, para acolhimento de pacientes com alguma condição rara ou crônica.

Entre os dias 26 e 29 de outubro de 2021, Brasília foi sede da 4ª edição do Congresso Ibero-americano de Doenças Raras, com especialistas e pesquisadores do Brasil, Argentina, Portugal, Espanha, Inglaterra e Estados Unidos, além de pacientes, familiares, estudantes e parlamentares.

Lauda organizou os momentos mais importantes das palestras do encontro e os reuniu no livro Olhar Raro — IV Congresso Ibero-americano de Doenças Raras (Editora Escreva, 216 págs., R$ 79,90 a edição impressa e R$ 29,90 o ebook), que acaba de ser lançado.

Nessa conversa com o R7 ENTREVISTA, ela relembra sua caminhada em busca de qualidade de vida para a filha Laís. Destaca pontos essenciais do problema. E, mais importante, oferece dicas e conselhos preciosos a quem tem diagnóstico, conhece ou tem na família algum paciente ou desconfia de que pode estar envolvido ou diante de um caso de doença rara ainda não identificada. Servico público de primeira. Acompanhe:

 

Comprava dólares, levava ao edifício da antiga companhia aérea Varig, em Brasília, e os comissários de bordo traziam o remédio de minha filha Laís dos Estados Unidos. Veja o improviso a que famílias eram submetidas em situações tão graves. Muitas ainda encontram obstáculos semelhantes. Laís tomava uma dose por semana. Cada uma custava 248 dólares. No câmbio atual seriam cerca de R$ 1.350. Quatro mensais custariam perto R$ 6.000. Caro, mas eu ganhava um salário digno e agradecia por poder comprar. Hoje, no Brasil, ainda há pacientes de doenças raras com custos de tratamento tão altos que fazem valores como esses parecerem quase nada

LAUDA SANTOS

O rótulo doenças raras nos leva, como leigos, a achar que são coisas de pouca gente. Mas, como são muitas, quase 10 mil mapeadas até agora, fora as ainda não identificadas, no total os números são impressionantes.
Lauda Santos –
 Essa interpretação é comum e gera uma confusão que atrapalha e retarda a criação de consciência e conhecimento maiores sobre o assunto, e sua importância,  na sociedade. Como são quase 10 mil doenças raras identificadas no mundo até agora, fora as desconhecidas, a soma dos pacientes de todas elas impressiona.

E há o desconhecimento, em muitos casos, também do profissional de saúde.
Exato. Oitenta por cento das doenças raras são de cunho genético e hereditário. Setenta e cinco por cento delas, ou três em cada quatro casos, afetam crianças. Trinta por cento dos pacientes, três em cada dez, morrem até os 5 anos de idade. Existem as progressivas, as crônicas e as degenerativas. Parte importante não tem cura e leva, muitas vezes, à morte cedo, abreviando a vida do paciente. Por outro lado, o desconhecimento do público, e muitas vezes também dos profissionais de saúde responsáveis pelo atendimento, faz o diagnóstico demorar muito tempo — cinco, oito, dez anos, com frequência — a partir dos primeiros sintomas. É um paradoxo cruel: doenças que tiram a vida precocemente, anos e até décadas antes do que seria esperado, demorando anos para ser diagnosticadas e tratadas. Isso, infelizmente, não é raro ocorrer.

 

Quem desconfia de doença rara, em si ou outros, deve antes de tudo buscar informação confiável. Os contatos das nossas instituições estão na internet. Pelos números do Ministério da Saúde, há cerca de 250 pontos de serviços com ações e serviços de assistência e diagnóstico. Terão níveis de oferta e profundidade diferentes, mas todos poderão orientar ao menos os primeiros passos sobre o que fazer diante da desconfiança. Capitais e cidades mais bem estruturadas possuem centros com maior capacidade

LAUDA SANTOS

Questão dura.
Sem dúvida. Mas que pode ser amenizada com diagnóstico precoce e tratamento adequado. Eles aumentam a expectativa e a qualidade de vida, a rotina, o que é fundamental nessas doenças que afetam músculos, cérebro, sistema nervoso. Como em toda patologia grave, pacientes com doença rara diagnosticados e tratados a tempo vivem mais e sofrem menos. Mas, para que isso seja possível, é fundamental vencer a guerra da desinformação da sociedade. Ganhar essa guerra é a motivação principal para o meu trabalho, o pessoal do congresso, que está na 4ª edição, e agora o livro.

O que deve fazer alguém que tenha ou conheça uma pessoa com uma doença cujos sintomas não recuam com o tratamento conhecido daquele problema e desconfie da possibilidade de uma doença rara?
Antes de tudo, buscar informação confiável. Para quem tem acesso à internet, nossos contatos, os da Amaviraras e da Febrararas, podem ser encontrados com facilidade. Além disso, pelos números do Ministério da Saúde, há cerca de 250 pontos de serviços com ações e serviços de assistência e diagnóstico. Certamente terão níveis de oferta e profundidade diferentes, dependendo da situação e do suporte dado onde estiverem localizados, mas todos poderão orientar ao menos os primeiros passos sobre o que fazer diante da desconfiança. Capitais e cidades mais bem estruturadas possuem centros com maior capacidade. Mas o primeiro passo fundamental é buscar informação confiável em um centro de saúde. Procurar o médico ou o especialista, sentar e conversar. Depois disso, quem der os primeiros esclarecimentos também terá como indicar os primeiros procedimentos e caminhos.

Fale sobre o trabalho na Amaviraras.
O livro reafirma também as ações da Amaviraras em todo o país, no diálogo com o poder público, o terceiro setor, pacientes e profissionais. Os desafios são imensos, relacionados a políticas públicas, trajetória do paciente e familiares desde o diagnóstico até o tratamento, infraestrutura de acesso das pessoas com doenças raras aos serviços públicos de saúde, entre outras demandas indispensáveis.

 

Exibimos neste último congresso um documentário internacional sobre um paciente com a síndrome de Moersch-Woltman, conhecida como síndrome do homem de pedra, a SHP. É uma doença raríssima, que ataca o sistema nervoso. Na maioria dos casos, os sintomas começam a surgir a partir dos 40 anos. Uma rigidez progressiva vai tomando conta da coluna vertebral, da musculatura, braços, pernas do paciente. O corpo endurece, literalmente; daí o nome popular da doença. Precisamos dar muita atenção a casos como esse 

LAUDA SANTOS

Dê outros exemplos de doenças raras.
São muitas, como falamos, não seria possível envolver todas aqui. Mas vamos ilustrar. O cavernoma cerebral, conhecido também como angioma cavernoso, é raríssimo, inclusive na grande população brasileira. Trata-se de um entrelaçamento anormal de veias no cérebro ou na medula que pode provocar sequelas neurológicas, de equilíbrio, visão, atenção e outros sintomas. A autora do prefácio do livro, a neurocirurgiã brasileira Ana Maria Ribeiro de Moura, é uma das maiores especialistas do mundo na síndrome de Hallervorden-Spatz, doença rara degenerativa do sistema nervoso associada à enzima pantotenato quinase, a PKAN, causada pelo acúmulo de ferro nos núcleos cerebrais. O nanismo é uma doença rara um pouco mais percebida, até pelas características impostas ao corpo das pessoas, mas ainda longe de ser conhecida pelo público como deveria. A hemofilia, que atinge a coagulação do sangue, é outra mais pública. Exibimos neste último congresso um documentário internacional sobre um paciente com a síndrome de Moersch-Woltman, conhecida como síndrome do homem de pedra, a SHP. É uma doença raríssima, que ataca o sistema nervoso. Na maioria dos casos, os sintomas começam a surgir a partir dos 40 anos. Uma rigidez progressiva vai tomando conta da coluna vertebral, da musculatura, braços, pernas do paciente. O corpo endurece, literalmente; daí o nome popular da doença. Precisamos dar muita atenção a casos como esse.

 

Muitas vezes o desconhecimento atinge também a classe médica. Dei uma bicicleta para minha filha aos 3 anos. Ela deu duas voltas, largou a bicicleta e começou a chorar com dor num tornozelo, que inchou, ficou vermelho, quente, passou para o outro tornozelo, pegou os joelhos e foi até o quadril. Ela tinha artrite reumatoide juvenil, a ARJ, um reumatismo genético raro. Levei ao primeiro médico na mesma semana. Diagnóstico: amigdalite

LAUDA SANTOS

Como foi o caminho até chegar ao diagnóstico da doença reumática rara de sua filha?
Nesse ponto é bom destacar que, pela quantidade de doenças raras, muitas vezes o desconhecimento atinge também a classe médica. O sonho da Laís, aos 3 anos, era ter uma bicicleta pequena com aquelas cestinhas, para carregar as bonecas. Comprei. Ela deu duas voltas, largou a bicicleta e começou a chorar com dor num tornozelo, que inchou, ficou vermelho, quente, passou para o outro tornozelo, pegou os joelhos e foi até o quadril. Eu a levei ao primeiro médico na mesma semana. Diagnóstico do médico: amigdalite.

Só que não.
Pois é. Resolvi levá-la a um ortopedista. Imaginei que ela tivesse batido o tornozelo em algum ponto da bicicleta, gerando alguma inflamação. Felizmente, esse rapaz desconfiou de algo, colheu sangue para exame e me pediu para esperar. Não deu outra: o exame acusou positivo para a questão do reumatismo. Ele virou para mim e disse: “Eu paro por aqui. A senhora terá que procurar um reumatologista, porque eu sou o mago dos ossos, mas o mago disso que sua filha tem não sou eu, é um reumatologista”. Achei um bom reumatologista, e tivemos o diagnóstico. Aí começou mais um sacrifício, infelizmente ainda muito comum para pacientes de doenças raras e sua família: importar remédios que não são fabricados no Brasil.

Passou por isso?
E como. O remédio, o Solganol, era chamado por nós popularmente de Sal de Ouro. Eu comprava os dólares, levava no edifício da antiga companhia aérea Varig em Brasília e o comissário de bordo trazia o Sal de Ouro dos Estados Unidos para mim. Veja o improviso a que algumas famílias precisavam se submeter diante de situações tão graves. Muitas ainda encontram obstáculos semelhantes. A Laís tomava uma dose de Sal de Ouro por semana, por seringa. Cada uma custava 248 dólares. Hoje seriam mais ou menos R$ 1.350. As quatro mensais custariam atualmente cerca de R$ 6.000. Caro, mas eu era secretária-executiva, ganhava um salário digno e agradecia por poder comprar. Mas no Brasil, ainda hoje, há doenças raras com custo de tratamento tão alto que faz esses valores parecerem quase nada. Por isso precisamos expandir a comunicação e o relacionamento com o poder público e o terceiro setor.

Muito obrigado.
Eu é que agradeço o espaço para divulgar essas coisas importantes. Acho que ajudará muita gente do público do R7.