Depoimentos

Taiga Lopes

Uma vida com cavernoma!

Por Selva Chaves

No dia 03 de junho de 1993, Taiga Lopes, minha filha, então com 7 anos de idade, acordou e reclamou de dor de cabeça, enjôo, visão dupla (diplopia). Percebi um discreto estrabismo, que antes não se fazia presente. De imediato, fomos ao neurologista, Dr. Marcelo Muniz, que após avaliação clínica, solicitou-me a tomografia de urgência.

No dia seguinte, o laudo apresentou a causa dos sintomas: ‘glioma de tronco cerebral’. Era feriado, e Dr. Marcelo não estava em Brasília, fomos a outro neurologista, que confirmou o laudo, explicou que era uma doença grave, inoperável e que minha filha teria “uma boa sobrevida”. Ainda assim, eu quis fazer uma ressonância. Ao retornar de viagem, Dr. Marcelo analisou os exames e explicou que não se tratava de glioma de tronco cerebral, e sim, de “angioma cavernoso”, disse que ela tinha dezenas de lesões, destacando a de tronco cerebral. Os sintomas decorriam do grande sangramento na lesão de tronco. Informou tratar-se de uma doença benigna e que a conduta seria expectante, ou seja, iríamos acompanhar com exames de imagem, anualmente, ou em caso de algum sintoma.

Apesar da dimensão do sangramento, 15 dias depois do ocorrido, Taiga já havia retomado às atividades diárias, com alguns cuidados e restrições. Deixou de fazer Ginástica Rítmica Desportiva - GRD por medo de trauma na cabeça. Dr. Marcelo fez uma lista de medicamentos que ela deveria evitar e que, em caso de dor de cabeça, deveria usar Tylenol.

Procurei outros especialistas, Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, EUA, todos pareciam entender que somente uma cirurgia era a possível solução, e eu discordava. Taiga levava vida normal, e isso para mim era sinal de que não deveria operá-la, ainda mais em se tratando de uma área tão nobre do cérebro, como todos afirmavam.

Em 2004, conheci Dr. Luiz Cláudio Modesto Pereira, neurocirurgião, que acompanha Taiga ainda hoje. Ele descartou a cirurgia e continuamos apenas no acompanhamento por imagens. Com o passar dos anos, Dr. Luiz Cláudio preocupou-se com o aumento em número de lesões no cérebro de Taiga, e sugeriu que fizéssemos a investigação genética, para verificar se Taiga tinha a forma familiar da doença. Fez contado com um geneticista na Alemanha, então, foi feito o primeiro teste genético da Taiga, da irmã, do pai e o meu também. Não recebemos o sequenciamento genético, mas fomos informados pela geneticista que apenas Taiga tinha mutação em CCM1, a forma mais comum da doença.

No ano de 2008, fiz o primeiro contato com Connie Lee, fundadora presidente de Angioma Alliance ONG nos EUA. (http://www.angiomaalliance.org/), ela também tem uma filha com Cavernoma Cerebral. Connie foi extremamente receptiva e atenciosa. Trocamos emails, tornei-me voluntária da Angioma Alliance, e foi criado um e-mail para mim, disponibilizado no site da Angioma Alliance, para que os pacientes de língua portuguesa fizessem contato comigo. Desde então, recebo e-mails de pacientes brasileiros em busca de informações saber da doença. São em grande maioria, pessoas desesperadas com o laudo de uma doença desconhecida, que relatam as dificuldades vividas, dividindo suas histórias de frustrações e diagnósticos equivocados. São muitos os pedidos de ajuda.

Certa vez, perguntei à Connie Lee se havia, no Brasil, algum pesquisador em Cavernoma, ela indicou o nome do Dr. Jorge Marcondes, que é Professor Adjunto de Neurocirurgia e responsável pelo Setor Neurovascular do Serviço de Neurocirurgia da UFRJ, além de Coordenador Adjunto do Programa de Epilepsias do HUCFF/UFRJ, com grande experiência no tratamento e pesquisa em cavernomas do sistema nervoso central. Fez Doutorado em Angiogênese pela UFRJ, sendo Fellow pela Universidade. Desde então, Dr. Jorge tem auxiliado no esclarecimento das dúvidas às famílias e aos pacientes que fazem contato comigo via e-mail.

Em 2011, Dr. Jorge sugeriu que repetíssemos o teste genético para confirmação da mutação CCM1, uma vez que não havíamos recebido o sequenciamento feito no laboratório na Alemanha e, para nossa surpresa, o sequenciamento feito nos EUA deu negativo. Resolvemos, então, testar CCM2 e CCM3. Descobrimos que Taiga é portadora da mutação em CCM3, a forma mais rara e agressiva da doença. O resultado do teste justificou o sangramento precoce, aos 7 anos, e o alto número de lesões.

Em 2012, Taiga voltou a ter sintomas, por meio de uma sensação de desmaio. Realizamos uma ressonância de emergência e foi constatado que ela havia tido sangramento em duas de suas lesões. Ficou internada por 7 dias e, como medida preventiva, começou fazer uso de anticonvulsivante.

Em janeiro de 2013, menos de um mês depois, novo sangramento. Depois, em agosto do mesmo ano, mais um sangramento. Mais um medo repentino, um abalo para qualquer mãe e, felizmente, nenhuma sequela.

Diante destes episódios, e também do resultado positivo para CCM3, Dr. Jorge sugeriu que Taiga marcasse uma consulta com Dr. Issam Awad nos EUA. Dr. Issam Awad é MD, MSc, FACS, Professor de Neurocirurgia no John Haprer Seeley e diretor de Cirurgia Neurovascular na University of Chigaco, Conselheiro Científico da Aliança Cavernoma e Pesquisador Convidado, e que há mais de duas décadas pesquisa sobre Cavernoma. Taiga, hoje, é paciente do Dr. Awad e faz parte do grupo de pesquisa da Universidade de Chicago, é atendida anualmente por ele, na própria Universidade.

Os cuidados continuam, Taiga aprendeu, ou melhor, aprende, diariamente, a conviver com Cavernoma. Sabe que apesar da doença existe possibilidade de viver uma vida plena e ser feliz. Ela é, sem dúvida, um exemplo de que há vida com qualidade após o diagnóstico de Cavernoma.


Taiga Lopes